o ar da graça
"Não some, não".
O que quer dizer, exatamente?
Não há muita exatidão no que se diz,
há?
E a gente escuta o que quer ouvir.
Nem que seja no tom do exato tamanho do nosso desejo.
O desejo,
esse ainda mais inexato,
cheio de contradições.
Não some não, o desejo.
Fica às escondidas,
se espreita entre as portas, mesmo fechadas,
escolhe os lugares mais escuros, ainda que sob a luz.
Disfarça que ainda respira,
toma os ares aos poucos, pra que a gente não o note.
Mas ele está lá.
Mesmo que mais magrinho, andou de regime.
Desejo light, será que existe?
Desejo é sempre desejo:
impetuoso, negligente, com a gente,
duas caras,diz uma coisa e quer dizer outra,
rouba nossa paz, porque acha a paz um disfarce dos fracos.
Se considera forte, o desejo. Dono de todas as coisas.
Acha que o mundo gira por causa dele.
Não quero que me ouça, já anda muito ousado e convencido,
mas, de algum modo, ele está certo.
Sem desejo, a gente deixa de dar o ar da graça.